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IFBA coordena a implementação da Escola Nacional Nego Bispo, iniciativa do MEC voltada aos saberes tradicionais

GESTÃO

Programa busca integrar os saberes indígenas, afro-brasileiros e quilombolas aos currículos da educação básica e superior, formando professores(as) em uma perspectiva intercultural para implementar as leis 10.639 e 11.645. Lançamento acontece nesta quinta-feira, 24 de julho em Minas Gerais.
por Iali moradillo publicado: 23/07/2025 17h37, última modificação: 23/07/2025 17h42

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Nívea Santana, Luzia Mota, Cláudia Santos e Genny Ayres (Fotos: Bárbara Souza)

O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) será responsável pela coordenação nacional da Escola Nego Bispo de Saberes Tradicionais, programa desenvolvido em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão (Secadi/MEC). O lançamento nacional será realizado nessa quinta feira, 24 de julho, em Minas Novas, no Vale do Jequitinhonha (MG), com a presença do ministro da Educação, Camilo Santana, representações da Secadi, do IFBA, de comunidades tradicionais e de autoridades da Rede Federal.

"Um programa com a cara do Brasil"

A Escola Nego Bispo nasce dentro de um movimento mais amplo de transformação da educação brasileira. Inserida na Política Nacional de Equidade, Educação para as Relações Étnico-Raciais e Educação Escolar Quilombola (PNEERQ), criada em 2023, a iniciativa representa uma resposta concreta à necessidade de valorizar as identidades e conhecimentos dos povos tradicionais no ambiente escolar.

Arte: Vitória Andrade
"A Portaria 470 tem como um dos eixos as trajetórias negras e quilombolas, e uma das ações previstas é justamente a formação de professores em perspectiva intercultural", afirmou Zara Figueiredo, secretária de Educação Continuada, Alfabetização de Jovens e Adultos, Diversidade e Inclusão. "A ideia é oferecer aos estudantes saberes científicos modernos junto com saberes tradicionais — uma educação que dialogue com a diversidade cultural do nosso país."

Assim, o Programa Nego Bispo nasce com objetivo de suprir essa necessidade formativa, tendo como público-alvo professores e futuros professores da educação básica e ensino superior. "A Escola atua sobre dois braços estratégicos para implementar as Leis 10.639 e 11.645: as instituições que formam professores — Institutos Federais e universidades — e os docentes que estão na sala de aula diariamente. Os professores da educação básica também poderão se inscrever como alunos", explicou Zara.  Ou seja, a Escola Nego Bispo formará docentes para que, no seu cotidiano em sala de aula, estejam preparados para implementar de forma efetiva o que estabelecem as leis - 10.639/2003 e 11.645/2008, incorporando os saberes e as identidades dos povos tradicionais aos currículos escolares de forma crítica, contextualizada e transformadora.

Para Cláudia Santos, coordenadora da equipe gestora do programa no IFBA, a proposta traz metodologia inédita ao cenário educacional brasileiro, funcionando como pesquisa-ação que permitirá sistematizar experiências e criar referências pedagógicas. "Esse programa tem característica inovadora. Ele responde à pergunta feita em todo lugar: como implementar as leis 10.639 e 11.645? Traz uma diretriz clara de protagonismo das comunidades tradicionais, em colaboração com os Institutos Federais."

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Zara Figueiredo
"Esse programa é a cara do Brasil — mas da cara do Brasil inteira, diversa, ancestral. Não dá para pensar uma escola pública transformadora se ela não refletir a cara do Brasil", afirmou Cláudia, destacando que os projetos apoiados permitirão mapear e sistematizar experiências pedagógicas nacionais. "Vamos acompanhar, avaliar e devolver esses dados à sociedade. Isso pode se desdobrar em política pública permanente. A responsabilidade da execução é do IFBA, mas o retorno será para todo o país."

Uma das principais inovações do programa, segundo Zara, é a valorização de mestres e mestras dos saberes tradicionais como formadores — não como objetos de estudo — estabelecendo equivalência com professores catedráticos. Nessa perspectiva de ampliação do conhecimento, a secretária ressaltou que a proposta não substitui conteúdos do currículo escolar. "Não estamos tirando nada do currículo. Não se trata de retirar Drummond ou Guimarães Rosa, ou tirar a mitologia grega do ensino médio. Não estamos tirando Godard ou Glauber Rocha do cinema. Estamos instituindo outras lógicas cognitivas na política educacional — trazendo o cinema indígena, o cinema quilombola, a arquitetura quilombola. É ampliar o repertório de conhecimento com contribuições que sempre existiram e foram invisibilizadas", afirmou a secretária. 

"Não estamos tirando nada do currículo. Não se trata de retirar Drummond ou Guimarães Rosa, ou tirar a mitologia grega do ensino médio. Não estamos tirando Godard ou Glauber Rocha do cinema. Estamos instituindo outras lógicas cognitivas na política educacional — trazendo o cinema indígena, o cinema quilombola, a arquitetura quilombola. É ampliar o repertório de conhecimento com contribuições que sempre existiram e foram invisibilizadas
Zara Figueiredo,  secretária da Secadi/MEC

Abrangência e execução

Com orçamento de R$ 7,5 milhões — já sob gestão do IFBA via Fundação Fapex —, o programa tem execução prevista para dois anos. Segundo a secretária da Secadi, Zara Figueiredo, o edital nacional deverá apoiar mais de 100 projetos, com foco em três eixos temáticos: saberes indígenas, quilombolas e afro-brasileiros. “Como é um programa nacional, não é possível apoiar menos de 100 projetos”, afirmou a secretária.

Embora o IFBA coordene o programa, sua construção foi pautada na busca por equidade territorial. “Temos duas preocupações principais: que todas as regiões sejam contempladas e que todos os eixos estejam representados. Não podemos permitir concentração regional nem temática”, explicou a reitora Luzia Mota.

A equipe gestora é coordenada por Cláudia Alexandra Santos, com vice-coordenação de Genny Magna de Jesus Mota Ayres, e integra profissionais de diferentes áreas: a pedagoga Indaiara Silva, a analista pedagógica Itana Martins Ferreira e os pesquisadores Alana Cardoso Marques e Daniel Campos. "À medida que o projeto se desenvolve, constituímos uma equipe multidisciplinar que ainda está em formação. Faremos chamadas internas para identificar colegas que desenvolvem ações relacionadas ao tema", destacou a reitora.

Por que o IFBA?

A escolha do Instituto Federal da Bahia para coordenar esse programa não foi casual. Segundo Zara Figueiredo, dois fatores foram determinantes: a localização estratégica na Bahia, estado com o perfil mais representativo do programa, e o histórico consolidado de ações afirmativas desenvolvidas pelo Instituto nos últimos anos.

Arte: Vitória Andrade
A gestora detalhou os critérios técnicos dessa escolha, ressaltando fatores estratégicos que envolvem capilaridade e excelência institucional. "A Secretaria tem uma relação muito fortalecida com os Institutos Federais, que estão capilarizados em todo o país. A Secadi trabalha basicamente com educação básica nas modalidades indígena, do campo e quilombola — grupos que geralmente estão em regiões mais afastadas."

"A excelência dos Institutos Federais os torna atores estratégicos para nós. Além disso, o IFBA está no estado mais negro do Brasil, com uma das maiores populações quilombolas e indígenas do país. A Escola Nego Bispo é voltada justamente para valorizar os conhecimentos desses povos tradicionais", acrescentou Zara.

Esse protagonismo do IFBA na coordenação nacional resulta de trajetória consolidada em políticas afirmativas. A reitora Luzia Mota avalia que o reconhecimento pelo MEC deriva de ações concretas implementadas desde o início de sua gestão, em 2020. "Criamos a Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis, implantamos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) com coordenação em todos os campi, realizamos os Jogos Indígenas e Africanos e desenvolvemos a coleção Asé-Toré, entre outras ações que fizeram o MEC reconhecer o IFBA como referência nessa pauta."

Arte: Vitória Andrade
Esse processo de transformação institucional envolveu uma decisão política estratégica, conforme explica a pró-reitora de Extensão, Nívea Santana. "O IFBA deixou de atuar apenas com setores empresariais e passou a se relacionar com as bases, com os territórios e povos que compõem nosso perfil estudantil. Isso envolveu esforço institucional, financeiro e simbólico."

Como resultado dessa mudança de paradigma, o Instituto mantém editais de Extensão exclusivos para povos tradicionais e acompanha sistematicamente estudantes cotistas, que representam mais de 50% do corpo discente. "Uma das questões que esses estudantes apontam é um choque com o currículo, que ainda tem marcas de exclusão histórica — eles não se veem representados", explicou Genny Ayres "Este programa proporciona uma educação em que o estudante se reconhece a partir de sua trajetória e identidade." , concluiu a vice coordenadora do Programa.

Próximos passos e conexões institucionais

Em setembro, o IFBA realizará o Encotas (Encontro de Cotistas), programa institucional que reforça o compromisso do Instituto com políticas afirmativas e que terá interação com a Escola Nego Bispo. A reitora destacou que a iniciativa dialoga com o projeto pedagógico institucional: "A Escola é uma metodologia que permitirá incorporar esses conteúdos aos currículos das licenciaturas, titular mestres tradicionais e garantir que esses saberes estejam presentes na formação dos estudantes.", explicou.

A Escola Nego Bispo também se conecta a outras ações estratégicas da Secadi, como o programa Partiu IF, fortalecendo a relação MEC-Institutos Federais. Nesse contexto mais amplo de transformação educacional, para Zara Figueiredo, a Escola Nego Bispo representa um passo decisivo para que o currículo escolar brasileiro reflita as múltiplas cosmovisões do país.

 

* Fotos: Bárbara Souza