Novembro Azul: Exame de próstata, o toque que ajuda a salvar vidas e vencer o câncer
Por Maria Gabriela Vidal *
Edição: Bárbara Souza
Muitos homens perdem a vida por não descobrirem que têm câncer de próstata a tempo de fazer o tratamento para vencer a doença. Trata-se do segundo tipo de câncer mais frequente entre o sexo masculino, apenas atrás do câncer de pele, como destaca o Instituto Nacional do Câncer (Inca). No mês dedicado ao combate à enfermidade, vencer o tabu de falar sobre o assunto, como também estimular os homens ao autocuidado, que inclui fazer o exame de toque retal, é o principal alerta da campanha.
Com um potencial agressivo e, em muitas vezes letal, este tipo de câncer deriva de um tumor que afeta a próstata, uma glândula localizada na parte baixa do abdômen, logo abaixo da bexiga, e que envolve a uretra. A doença ainda admite um comportamento peculiar em cada situação, já que ao passo que pode crescer de forma lenta e silenciosa, pode também se agravar rapidamente e se espalhar para outros órgãos.
“Todo homem acima dos 50 anos de idade corre o risco de desenvolver o câncer de próstata. Um outro fator de risco é a carga genética, ou seja, a hereditariedade da doença. Além disso, também é importante considerar o estilo de vida, fatores como sobrepeso e tabagismo potencializam o risco do surgimento do câncer de próstata”, afirma o médico urologista do Hospital Geral Roberto Santos, Osvaldo Oliveira Lima Neto.
Estima-se que para cada ano do triênio 2020-22, mais de 65.840 diagnósticos para o câncer de próstata sejam realizados, como aponta o Inca. O número é correspondente a um risco aproximado de 62,95 casos novos a cada 100 mil homens. É um dado que inspira preocupação, sobretudo por ainda existir a subnotificação. “Sem dúvidas, há uma chance muito grande de que exista subnotificação, uma vez que o Brasil sofre desse problema grave. O número real deve ser muito maior do que o divulgado. Temos que entender que esses dados são registrados de acordo com diagnósticos confirmados por patologia e por exames de biópsia, sendo que muitos pacientes sequer têm acesso à consulta médica”, afirma o urologista e membro titular da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), Paulo Furtado.
Ainda de acordo com o Instituto Nacional do Câncer, a mortalidade decorrente da doença aumentou em 10% nos últimos anos, no comparativo entre 2015, que apresentou 14.542 vítimas fatais da doença e 2019, com 16.033 óbitos. E a tendência de aumento também seguiu na Bahia. Segundo o levantamento divulgado no Atlas de Mortalidade por Câncer, foram contabilizados 6.248 óbitos no território baiano por causa do câncer de próstata nos últimos cinco anos. Dentre as 16 mil mortes causadas pelo câncer de próstata no Brasil em 2020, 1.367 foram registradas no estado, é o que aponta o Atlas de Mortalidade por câncer.
Em meio ao atraso dos diagnósticos, o urologista Osvaldo Neto destaca as formas de rastreio da doença. “O diagnóstico do câncer de próstata é feito por meio do exame do toque retal e do Antígeno Prostático Específico (PSA). Nunca só o PSA, nunca só o toque. Isso porque cerca de 70% dos pacientes vão apresentar PSA alterado, mas 30% deles vão ter o resultado normal e apenas pelo exame de toque retal irão apresentar alteração”, esclarece. Quanto aos possíveis sintomas, o médico ainda explica as diferenças em cada caso específico. “A próstata é uma glândula que se comporta de forma benigna e maligna. Quando benigna, o paciente pode apresentar dificuldade para urinar, como também, necessidade de urinar frequentemente. Quando maligno, o comportamento do tumor costuma não apresentar sintomas. Nos casos em que o paciente já chega com um quadro de sangramento e dor, é um estágio bem avançado e já não há muito o que fazer de forma curativa. Daí a importância do diagnóstico precoce”, complementa o especialista.
É pensando nisso que o movimento anual do Novembro Azul é ainda mais relevante, principalmente por abrir espaço para discutir uma doença pouco falada pelos mais atingidos: os homens. O desconhecimento, o preconceito, a vergonha e outros empecilhos costumam retardar o diagnóstico e, consequentemente, as chances de cura. “O preconceito ainda existe, mas com todos esses programas de conscientização e campanhas nos últimos anos percebemos uma redução desse preconceito e uma maior conscientização da população sobre a importância do exame preventivo. Há cerca de quinze, vinte anos atrás, muitos pacientes se negavam ao exame de toque. Hoje em dia, na prática, o paciente que não quer fazer o exame de toque retal não costuma nem ir à consulta”, ressalta Paulo Furtado.
BRASIL: 51% DOS HOMENS NÃO CONSULTAM O UROLOGISTA. NA PANDEMIA, QUADRO PIOROU
Para melhor ilustrar a falta de cuidado com a saúde masculina, um estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), em parceria com a farmacêutica Bayer, constatou que mais da metade dos homens, cerca de 51%, não consultam regularmente um urologista ou cardiologista. A pesquisa foi realizada com 3.500 homens, em sete cidades brasileiras. O principal resultado do levantamento foi a comprovação de que os homens, além de não manterem os cuidados devidos com a saúde, também desconhecem informações sobre manter a qualidade de vida durante o envelhecimento. O dado preocupa, sobretudo pelo câncer de próstata ser considerado um câncer de terceira idade e atingir, em sua maioria, homens com mais de 65 anos de idade.
Com a pandemia da covid-19, a situação se tornou ainda pior. A Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) apontou que houve uma redução de 21,5% nas cirurgias para a retirada da próstata devido ao câncer, no comparativo entre 2019 e 2020. Aliado a isso, o diagnóstico da doença também sofreu um impacto, haja vista a queda de 27% de exames PSA e de 21% de biópsias de próstata.
“Durante a pandemia foi perceptível o medo dos pacientes irem ao consultório. Agora, com tudo voltando aos poucos, percebemos que muitos deles que poderiam ter tido o diagnóstico mais cedo, estão descobrindo a patologia de forma mais tardia. Essa não é uma realidade somente do câncer de próstata, mas acontece com outras doenças. Sem dúvidas, descobrir a doença em um estágio mais avançado interfere não apenas no tratamento, mas no prognóstico do paciente. É inevitável, infelizmente”, lamenta Paulo Furtado. No Sistema Único de Saúde (SUS), o número de consultas urológicas segue em queda. Até julho deste ano, foram 1,8 milhão de consultas. O número é expressivamente menor quando comparado a 2019, 4,2 milhões de consultas e 2020, 2,8 milhões.
Diante do poder devastador da doença, levantar o assunto em esfera pública é um dever assumido pelos médicos. “Pela cultura machista que ainda existe, o Novembro Azul é um importante marco para chamar a atenção dos homens não apenas com o câncer de próstata, mas, de forma geral, com o cuidado consigo mesmo. No espaço público de saúde, eu costumo dizer sempre aos pacientes que se cuidar é um ato de amor: ‘eu me amo mais porque faço toque retal, eu me amo mais porque estou cuidando de mim’, aconselha o urologista do HGRS, Osvaldo Neto.
TRANSFORMANDO A EXPERIÊNCIA DE ENFRENTAR A DOENÇA EM VERSOS
Onildo Sitonio, o cordelista que usa da própria experiência para conscientizar o público masculino.
Sem qualquer indício físico da doença, aos 65 anos, Onildo Sitonio jamais pensou que teria a doença. Com uma vida ativa, o comerciante que também é poeta e cordelista membro da Academia de Letras e Artes de Lauro de Freitas (Alalf), precisou em abril de 2020, interromper os planos para cuidar de um grave problema de saúde, o câncer de próstata.
Mesmo com um vasto histórico familiar, incluindo entes próximos que perderam a vida para a enfermidade, Onildo relata ter ficado cinco anos longe das consultas e, logo após, recebeu o diagnóstico positivo para a doença. “Na minha família, e aí está meu grande erro, tem um extenso histórico de portadores e vítimas fatais dessa patologia. Ao fazer uns exames de rotina, que incluía PSA, o resultado deu elevado. Em seguida, fui logo ao urologista, ele fez o exame de toque, constrangedor para quem não é acostumado, constatando que eu tinha algum problema na próstata. Me encaminhou à biópsia e o resultado positivo para a doença veio em seguida”, conta Onildo.
Do diagnóstico ao tratamento foram 35 sessões de radioterapia, um longo caminho do qual Onildo se recorda como superação. “Apesar da equipe do Hospital Aristides Maltez ser muito competente e de um envolvimento humanitário muito grande, não foi fácil ir às sessões, moro em Lauro de Freitas e o hospital fica em Brotas. Ainda mais com a ameaça da Covid rondando as nossas vidas. Superei tudo isso no Amor de Deus”, declara.
Onildo, que reconheceu o atraso no diagnóstico pelo descuido com a saúde, precisou ser operado e lidar com o difícil pós-operatório. “Enfrentei a condição real de um paciente de câncer, muito tempo deitado, com a bolsinha pendurada, dificuldade para conter a urina, dentre outras dificuldades”, relembra.
Contudo, o que poderia ficar registrado como momento de dor, se tornou o ponto de partida para que Onildo, como poeta, usasse a arte para dar vida a uma campanha de conscientização ao câncer de próstata. “Uso a minha campanha de abordagem agressiva, pois sei do desleixo que o homem tem sobre a saúde. Levo uma mensagem de alerta, juntamente com uma mensagem engraçada que é o cordel. Tenho sido bem ouvido e compreendido. Deus me deu a ventura de mais alguns dias. Estou só retribuindo. Nada me envaidece”, destaca o cordelista. Em meio aos versos dos poemas, Onildo fala sobre a radioterapia, a cirurgia e o pós-cirúrgico.
“Hoje estou fazendo dele [um dos poemas] um instrumento de campanha para conscientizar os homens sobre essa terrível doença ceifadora de vidas pródigas”, relata.
As criações do cordelista podem ser conferidas no seu perfil do Instagram @onildositonio
TRATAMENTO GRATUITO
De acordo com a Sesab, cerca de 1250 baianos perdem, anualmente, a vida para o câncer de próstata. As maiores chances de cura dependem prioritariamente de diagnóstico e tratamento precoces.
Com unidades em sete cidades do estado, a Rede de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia no Estado da Bahia oferece tratamento gratuito para o câncer de próstata. Saiba onde encontrar este serviço:
Conheça os locais em que o SUS oferece o tratamento contra o câncer de próstata na Bahia:
Salvador: Unacon do Hospital Santa Izabel, Hospital Santo Antônio, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Hospital Geral Roberto Santos/Cican; e o Cacon do Hospital Aristides Maltez;
Vitória da Conquista: Unacon do Hospital Geral de Vitória da Conquista – HGVC e do SAMU
Teixeira de Freitas: Unacon do Hospital Municipal de Teixeira de Freitas
Juazeiro: Unacon do Hospital Regional de Juazeiro
Feira de Santana: Unacon do Hospital Dom Pedro de Alcântara
Ilhéus: Unacon do Hospital São José/Maternidade Santa Helen
Itabuna: Unacon Hospital Calixto Midlej Filho e o Serviço de Radioterapia do Hospital Manoel Novaes
* Sob a supervisão da jornalista Bárbara Souza (Dgcom).