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Bancas de heteroidentificação serão utilizadas pela primeira vez no IFBA em processo seletivo para cursos técnicos
Com inscrições on-line em andamento até o dia 17 de dezembro e realizado a partir da análise de histórico escolar, o Processo Seletivo para cursos técnicos será a primeira seleção do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia (IFBA) a utilizar o recurso das bancas de heteroidentificação, implementado a partir da Resolução nº 24/2021 do Conselho Superior (Consup).
O dispositivo funcionará como complemento aos procedimentos comprobatórios, que até então eram realizados somente a partir de autodeclaração de candidatas (os) optantes por programas de ações afirmativas por meio de cotas raciais. “Todo candidato e candidata optante pelas cotas reservadas a pessoas negras deverá anexar à inscrição, além da autodeclaração, uma foto frontal, uma foto de perfil e um vídeo curto onde o estudante se identifica, de acordo com as regras do edital. Os arquivos dos/as estudantes que forem convocados/as para matrícula nessas vagas serão avaliados pela Banca de heteroidentificação, em etapa relativa à confirmação do direito à matrícula”, esclarece Mariucha Ponte, coordenadora do Departamento de Seleção de Estudantes (Desel).
Além do processo seletivo para cursos técnicos, todos os certames do IFBA, conforme forem realizados, adotarão a medida para o ingresso em: cursos do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos (Proeja), cursos de graduação, cursos de pós-graduação e para o provimento de cargos efetivos, por meio de concurso público.
“O IFBA tem sido cobrado pelos órgãos de justiça para institucionalização das bancas de heteroidentificação para enfrentar as possíveis fraudes às cotas raciais focalizadas nas pessoas negras, assim como por parte da comunidade interna e externa”, afirma Marcilene Garcia, diretora de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis do Instituto. A diretora informa ainda que o processo de implantação das bancas foi iniciado com a criação de uma comissão, através da formalização da Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis (DPAAE) com os campi. Para a próxima etapa, estão previstos cursos de formação destinados aos membros da comissão e das bancas.
Seleção mais inclusiva e mais segura contra fraudes
A modificação do procedimento no Processo seletivo 2022, segundo Mariucha, exigiu adequação do sistema de inscrição para que não haja necessidade de uma etapa adicional ou um tempo maior para a divulgação dos resultados e, além disso, na ampliação do quadro de servidores envolvidos. “Qualitativamente, o Processo Seletivo ganha com os efeitos da implementação da banca, pois se torna uma seleção mais segura contra fraudes e, consequentemente, mais inclusiva. Há ainda a expectativa de que a medida fomente uma maior conscientização da população sobre as questões de raça, auto identificação, inclusão e justiça”, considera.
O trabalho conjunto envolveu, além do Departamento de Seleção de Estudantes, a Diretoria de Políticas Afirmativas e Assuntos Estudantis e a Diretoria de Gestão da Tecnologia da Informação (DGTI), tendo em vista a necessidade de o processo seletivo ser realizado de maneira totalmente digital e não presencial por conta da pandemia da Covid-19.
Sobre isso, Monique Luiza Dantas, chefe do Departamento de Sistemas de Informação explica que a equipe da Diretoria de Gestão da Tecnologia da Informação “atuará no sistema do Prosel desenvolvendo a funcionalidade para que os candidatos enviem os documentos necessários para a banca avaliar e também a funcionalidade para que a banca acesse o sistema, verifique estes documentos e registre sua avaliação, integrado com o fluxo do processo de geração de chamadas, ou seja, se o candidato não for aprovado, automaticamente ele estará inapto para matrícula”.
Já nos cursos de ensino superior, cuja seleção é feita através do Sistema Unificado de Seleção (Sisu), o dispositivo será utilizado somente no próximo ano, antes do ato da matrícula, de acordo com o pró-reitor de Ensino, Jancarlos Lapa. Situação similar foi confirmada pelo pró-reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Inovação, Ivanildo dos Santos, no que se refere aos cursos de pós-graduação, uma vez que as seleções para ingresso já ocorreram em 2021.
Denúncias de fraudes
A adoção de bancas de heteroidentificação já é uma realidade de diversas universidades e institutos federais no enfrentamento às fraudes em sistemas de cotas raciais, que constantemente têm vindo à tona, principalmente por meio dos veículos de imprensa.
O recurso, segundo Marcilene Garcia, tem o objetivo de “fortalecer as políticas de ações afirmativas e proteger os direitos das pessoas negras, que são os sujeitos de direito das cotas raciais; enfrentar as fraudes nas cotas raciais, quando pessoas que não são identificadas como sendo negras (pretas ou pardas) pela sociedade brasileira usufruem da política sem merecimento, promovendo injustiças; porque é dever da Administração Pública (neste caso, do IFBA) fiscalizar e monitorar os processos seletivos garantindo que a Lei de cotas seja cumprida”, destaca.
No IFBA, apesar de não haver registros oficiais de denúncias de fraudes sobre os processos de seleção nos setores envolvidos com processos seletivos e concursos públicos, como o Departamento de Seleção, a Diretoria de Gestão de Pessoas, Ouvidoria e Auditoria Interna, Marcilene ressalta a possibilidade de que elas existam, mas não tenham sido formalizadas através dos canais oficiais para registro. “Em geral quem tem feito o trabalho de denúncias tem sido os jovens negros. Como pode ser observada, a questão das cotas raciais no IFBA sempre sofreu processo de invisibilização e pouco reconhecimento do ponto de vista da gestão do gerenciamento das políticas de cotas. Por isso, justificou-se a criação da Diretoria de Ações Afirmativas e Assuntos Estudantis nesta atual gestão, para mudança desta realidade”, declara.
Para Marcilene, ainda falta divulgação e visibilidade da existência da política e os sujeitos de Direito. “Os grupos beneficiados por cotas devem se sentir protegidos nos seus direitos. A forma de gerenciamento da política resulta em maior sentimento de pertença”, assegura.
RETROSPECTIVA - Políticas de Cotas para negros no IFBA
Desde 2006, o IFBA utiliza a política de cotas para negros (pretos e pardos). A Lei 12.711, de 29 de agosto de 2012 garantiu reserva de 50% das vagas em todos os processos seletivos para cursos técnicos e graduação com vagas para estudantes oriundos de escolas públicas, com critérios de renda, com cotas fixadas para pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência.
Em 2014, cumprindo a Lei Federal nº 12.990, de 9 de junho de 2014, passou a reservar aos negros 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos.
Por meio da Resolução nº 41, de 19 de dezembro do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) em 2017 aprovou a Política de Ações Afirmativas para inclusão de negros (pretos e pardos), indígenas, quilombolas, pessoas com deficiência e pessoas trans (transexuais, transgêneros e travestis), em seus programas de pós-graduação lato e stricto sensu.
Percepções e avanços
A diretora de Políticas Afirmativas do IFBA, Marcilene Garcia, classifica o momento como um “avanço histórico e político” no IFBA que proporciona, entre outras questões, “o reconhecimento da importância das cotas raciais no Brasil e, sobretudo, na Bahia que apresenta mais de 80% de sua população como sendo negra; do compromisso e responsabilidade da Instituição de proteger os direitos de grupos que sofreram injustiças históricas, como é o caso da População Negra e dos Povos Indígenas”, enfatiza.
Para Jhudy Souza, estudante do curso técnico em Informática, campus Camaçari- no qual ingressou em 2019, utilizando as cotas de autodeclaração como negra e de estudante de escola pública - a implantação das bancas evidencia o cuidado do IFBA com o tema. “As oportunidades e representatividades dentro dos campi merecem e irão crescer cada vez mais através desse recurso indispensável”, complementa. A estudante de 17 anos conta ter ciência de alguns casos de denúncias sobre fraudes das cotas raciais, fora do IFBA. “É doloroso ver pessoas com más intenções se aproveitarem de um recurso tão importante que elas sequer merecem. As cotas são extremamente necessárias, pois cumprem o papel de pagar uma dívida histórica de 133 anos, permitindo que pessoas negras e pardas ocupem lugares que não teriam acesso - ou teriam com o triplo de dificuldade - caso as cotas não existissem. É um direito básico que merecemos!”, enfatiza.
Há quase três anos na instituição como cotista, Jhudy já foi coordenadora de finanças do grêmio (chapa alvorecer do outono), bolsista, por três meses, do projeto de extensão: Monitoria para apoio aos estudantes com Necessidades Educativas Especiais (NEE) do campus Camaçari, com as Atividades Educacionais Não Presenciais Emergenciais (AENPEs), sob a coordenação das professoras Elizabete de Oliveira e Paula Sá, e, atualmente, é representante do Conselho de Representantes de Turma (CRT), que atua em conjunto com o grêmio.
“É importante olhar para o lado e se reconhecer em mais pessoas que foram aprovadas por cotas e que estão tendo oportunidades como você, isso torna o processo de estudos menos conturbado, pelo menos em minha vivência, não vejo tratamento diferenciado para cotistas - muito pelo contrário, somos bem tratados e reconhecidos pelo nosso potencial para estar ali. Discussões acerca do tema não passam despercebidas nas salas de aula, principalmente, nas aulas incríveis de história em que somos incentivados a desenvolver um pensamento crítico que nos leva a analisar todo o contexto histórico até hoje”, diz.
Antes da pandemia de Covid-19, Judhy recebia auxílios de transporte (ônibus intermunicipal) e alimentação (almoço no campus), porém, desde a adoção do ensino não presencial, recebe o auxílio emergencial e o kit alimentício (cesta básica). O benefício emergencial também é um recurso com que Thalysson Santana pode contar. O estudante de 18 anos integra o atual grêmio estudantil do campus Camaçari, como coordenador, além do projeto sobre a ditadura na Bahia, do professor Alex Ivo.
Thalysson conta que muitas pessoas do seu círculo de amigos ingressaram no IFBA por meio de cotas raciais e/ou de escola pública, assim como ele. Para o jovem, a institucionalização das bancas representa um avanço no processo de verificação de características étnico-raciais. “Acho importantíssimo, já que apenas a autodeclaração não assegura que a pessoa seja mesmo preta ou parda. E sempre se ouve falar de casos de pessoas que fraudaram seriamente o sistema de cotas de instituições públicas, tirando o direito de outras pessoas pretas e pardas terem acesso a essas vagas”, conclui.
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